O Abandono Paterno: "Clube da Luta" Análise Literária
- Vinicius Monteiro
- 22 de jun. de 2023
- 6 min de leitura
Atualizado: há 6 dias
Apesar de muitas pessoas conhecerem "Clube da Luta" pelo filme, que teve seu marketing completamente errôneo focado na violência, o livro traz uma profundidade muito maior sobre a masculinidade. Lembrando que o texto a seguir é somente uma perspectiva que tive sobre a vida dos personagens que eu achei interessante escrever sobre. Cada um tem a sua experiência de vida, sendo diferente do ponto de vista apresentado a seguir ok?
Lá no capítulo seis do livro, o Narrador está completamente envolvido com o clube da luta e nada parece mais incomodá-lo, é como se ele tivesse achado a sua salvação espiritual. Sua narrativa volta para sua primeira luta com Tyler no bar. Após a luta, o Narrador pergunta a Tyler contra o que ele realmente estava lutando. Tyler responde que estava lutando contra seu pai. O Narrador discute como nem ele nem Tyler tiveram figuras paternas fortes em suas vidas.
Nesse trecho citado acima, a questão do abandono paterno me chamou muito atenção, a masculinidade não é só formada de dentro para fora, mas há também uma grande influência das referências externas que cada indivíduo tem para a sua construção e imagem masculina.
Segundo um levantamento da Central Nacional de Informações do Registro Civil (CRC), em 2020, 6,31% das 1.280.514 crianças foram registradas apenas com o nome das mães. No ano de 2021, também segundo a CRC, 167.285 crianças foram registradas sem o nome do pai no Brasil. Outro dado divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que 11,6 milhões de famílias são formadas somente por mães solo.
O pai do narrador se divorciou e se casou novamente várias vezes; ele começou novas famílias como "franquias", como comenta o Narrador. O pai de Tyler é desconhecido para ele. O Narrador acha isso uma situação comum para os homens de sua geração. Os outros personagens do livro também são assombrados pelo abandono físico e emocional de seus pais.
O artigo 227 da Constituição Federal e artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, atribuem aos pais e responsáveis o dever geral de cuidado, criação e convivência familiar de seus filhos. O abandono paterno ou afetivo é o descumprimento da lei, não é só uma falta de responsabilidade. Um pai que é negligente aos cuidados com os filhos pode responder judicialmente. A lei é clara: "toda criança tem o direito de ser cuidada por seus pais", mas segundo os dados já mostrados acima, na prática essa lei ainda não conseguiu efetivamente mudar o panorama do abandono.
O relacionamento entre pai e filho pode ser expresso como talvez o relacionamento mais crítico que um homem enfrenta em sua vida. Essa é a relação que influencia o homem e todas as outras relações que ele constrói ao longo de sua vida. Um estudo feito pelo National Fatherhood Initiative descobriu que a ausência paterna pode gerar problemas econômicos, sociais e inclusive, prejudicar a saúde física e mental do indivíduo.
Para o psicanalista Sigmund Freud, o período no qual o pai exerce sua maior importância na vida do filho é na fase fálica, mais especificamente no período do complexo de Édipo, ocorrendo entre o terceiro e quinto anos de vida. Já o psicanalista Donald Woods Winnicott afirma que o pai tem diferentes funções ao longo da vida do filho. Nos primeiros meses, quando o bebê se encontra na fase da dependência absoluta, a função do pai deve oferecer um ambiente real e de qualidade onde a criança possa se desenvolver. Na fase de dependência relativa, o pai deve auxiliar a mãe no processo de rompimento do vínculo simbiótico, o que está diretamente relacionado com o quanto esse homem fará parte da vida do filho.
A ausência paterna pode ser física, quando por exemplo, os pais são separados e o homem tem pouco ou nenhum contato com os filhos, ou emocional, quando o casal está junto, mas o homem não participa da criação dos filhos. As principais características de um pai ausente são:
Falta de empatia: tem pouca conexão afetiva com os filhos mantendo uma relação superficial.
Imaturidade emocional: pessoas que não amadurecem emocionalmente têm dificuldade para se relacionar. São pais que vivem como se fossem adolescentes e não são capazes de expressar suas emoções.
Irresponsabilidade: a maioria dos pais ausentes tomaram a decisão (consciente ou não) de fugir da responsabilidade de criar um filho. Atuam como se a criança não existisse, deixando todas as responsabilidades para a mãe ou outros cuidadores.
Egocentrismo: o pai que faz seus planos como se os filhos não existissem. Prioriza outros temas como o trabalho, o dinheiro, a vida social, os esportes, etc.
Obsessão pelo trabalho: muitos pais ausentes são workaholics, podendo passar 14 horas ou mais no escritório. Nunca têm tempo para a família.
Ter um pai ausente deixa muitas sequelas. Segundo os psicólogos, adultos que não tiveram o amor e cuidado paterno costumam ser ou ter:
Desapegados emocionalmente: têm dificuldades em estabelecer vínculos afetivos fortes e duradouros. Muitos filhos de pais ausentes, repetem esse comportamento quando se tornam pais.
Inseguros: pessoas que têm mais medo da decepção e do abandono. O medo ao abandono pode gerar uma enorme dependência emocional em relação a outras pessoas.
Autoestima mais baixa: a rejeição paterna compromete a autoestima.
Propensas a reações tóxicas: devido à baixa autoestima e à carência afetiva, muitas delas não são capazes de cortar determinados vínculos nocivos, vivendo relações abusivas e infelizes.
Propensas a transtorno psicológico: o sofrimento gerado por um pai ausente pode ter várias consequências psicológicas como a depressão, a ansiedade e a anorexia.
Propensas aos vícios: muitos filhos de pais ausentes tentam compensar essa carência em drogas, sexo, jogo, compras, etc.
É interessante analisar os personagens do livro, pois a falta de um modelo masculino faz os personagens buscarem referências em outros lugares. Sem modelos masculinos distintos em suas vidas, o Narrador e Tyler aceitaram amplamente o papel dos homens na sociedade, conforme apresentado a eles através da publicidade e do marketing. O objetivo é conseguir um bom emprego com um bom salário, casar e ter filhos. Os homens do clube da luta viram um vazio nesse modelo e o rejeitaram.
Até pouco tempo atrás, o papel do homem na família era trabalhar para sustentar economicamente a mulher e os filhos, se você assim como eu cresceu nos anos 90, esse era um padrão tipicamente universal nessa época, é nesse ambiente social que os personagens dos livros vivenciaram. A figura paterna tinha o poder financeiro, ele era a autoridade da casa, era quem dava a última palavra e não se envolvia na criação dos filhos. Muitos estavam presentes fisicamente, mas distantes emocionalmente.
Nos dias atuais, com a inserção da mulher no mercado de trabalho, a configuração familiar sofreu uma mudança profunda. O pai e a mãe passaram a compartilhar a responsabilidade na educação dos filhos. Apesar dessa mudança comportamental gerar atrito em algumas relações, essa transformação trouxe benefícios às crianças.
Muitos estudos apontam que crianças que têm o pai envolvido na sua educação: Têm a autoestima mais elevada; São mais seguras emocionalmente; Têm menos probabilidade de abandonar os estudos; Se envolvem menos com drogas; Desenvolvem relações sociais e afetivas mais saudáveis; São mais empáticas; Vão melhor na escola; Tem mais inteligência emocional.
De fato, ter um pai ausente deixa marcas emocionais e psicológicas. No entanto, isso não significa o fim do mundo e nem que será impossível ser feliz. Se você tem um pai ausente, o primeiro passo para seguir em frente é aceitar como se sente em relação a isso. Também é importante ter em mente que você não é culpado pelas escolhas dos outros, mas é responsável por traçar seu próprio caminho.
Ficar remoendo o passado não mudará a situação, mas está nas suas mãos ter um futuro mais feliz. Além disso, você pode conseguir ficar mais em paz se passar a valorizar mais outras pessoas que tiveram um papel fundamental no seu desenvolvimento, como a sua mãe, os seus avós ou seus tios.
Se você sente que é incapaz de superar essa dor, ou está sofrendo com isso, talvez seja o momento de buscar apoio psicológico. Um psicólogo terá as ferramentas necessárias para ajudar você a ver essa relação de outro prisma. E lembre-se que você é dono do seu próprio destino.
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