Furiosa: A Mad Max Saga Crítica Cinematográfica
- Vinicius Monteiro
- 1 de abr.
- 6 min de leitura
★★★☆☆
A jovem Furiosa, sequestrada de seu lar, o Lugar Verde de Muitas Mães, por uma grande horda de motoqueiros liderada pelo senhor da guerra Dementus. Cruzando Wasteland, eles alcançam a Cidadela, dominada pelo Immortan Joe. Enquanto os dois tiranos disputam o domínio, Furiosa se vê envolvida em uma batalha incessante para retornar ao seu lar.
A narrativa do vindouro filme, conforme revelado por Miller, foi meticulosamente concebida antes mesmo da produção de 'Estrada da Fúria'. Essa decisão estratégica decorre da necessidade de dotar a personagem Furiosa de uma história de fundo robusta e complexa, capaz de sustentar sua presença e motivações, ainda que essa história permaneça velada e pouco explorada no filme anterior. Foi este meticuloso roteiro, que desvendava a trajetória de Furiosa, que serviu de alicerce para a construção da personagem por Theron. E, após o estrondoso sucesso de 'Mad Max: Estrada da Fúria', a produção de 'Furiosa' emergiu como um passo natural e inevitável, impulsionado pela existência de um roteiro já pronto para ganhar vida nas telas.
Apesar dos obstáculos impostos pela pandemia de COVID-19 e pelos conflitos de agenda, o filme finalmente se concretizou, chegando aos cinemas. É inegável que, embora o Max de Hardy exalasse um charme único, marcado por seu silêncio e melancolia, Furiosa se destacou como a estrela de 'Estrada da Fúria'. Sua jornada, repleta de coragem e determinação, ocupou o centro da narrativa, enquanto ela lutava para libertar as cinco esposas de Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne). A personagem de Furiosa, com sua força e complexidade, conquistou o público, ecoando a intensidade da ação que permeia o filme.
A personagem se revela em sua totalidade, contrastando com a aura enigmática que sempre envolveu Max. A narrativa de sua origem assume proporções épicas, tecendo parábolas que acompanham a jornada de Furiosa, enquanto ela aprende, a duras penas, que o Wasteland é implacável em sua capacidade de usurpar tudo. Contudo, a riqueza de detalhes, paradoxalmente, torna-se um obstáculo. Furiosa sucumbe a um excesso de informação, um problema que 'Estrada da Fúria' jamais enfrentou. Certos trechos do filme se assemelham a um mero despejo de dados, como se Miller se sentisse compelido a preencher cada interstício da trama, em vez de permitir que a história se revele em sua essência.
'Furiosa' transcende a estrutura clássica de ação ascendente, clímax e queda, optando por uma divisão em cinco capítulos distintos. Essa escolha estilística, embora inovadora, impacta profundamente a experiência do espectador. A percepção do tempo se torna mais aguda, com os 148 minutos de duração revelando-se em ritmos contrastantes. Alguns capítulos pulsam com energia implacável, impulsionando a trama em uma velocidade vertiginosa, enquanto outros se desenrolam em uma cadência lenta e meticulosa, permitindo que a tensão se acumule gradualmente.
A natureza episódica dessa abordagem, embora instigante, pode não ressoar com todos os públicos. A fragmentação da narrativa, por vezes, subtrai a fluidez e a imersão que caracterizam a experiência cinematográfica convencional. No entanto, essa escolha ousada permite uma exploração mais profunda da jornada de Furiosa, dividindo sua história em arcos distintos que se complementam.
O capítulo inicial, um mergulho abrupto na ação, nos apresenta ao sequestro da jovem Furiosa. A partir desse momento, somos catapultados para um turbilhão de adrenalina, acompanhando a busca incansável de sua mãe, Mary Jo Bassa (Charlee Fraser). Essa sequência, magistralmente orquestrada, se destaca como um dos momentos mais tensos e emocionantes do filme.
Dementus, Immortan Joe e os demais personagens de Gas Town e Bullet Farm, embora relevantes, não possuem a profundidade necessária para justificar o extenso tempo de tela que lhes é concedido. A intrincada política que permeia o enredo acaba por sobrecarregá-lo, dando a impressão de que Miller poderia ter alcançado uma narrativa mais concisa e impactante se tivesse eliminado o excesso de informações. Embora a exploração da política de Gas Town e Bullet Farm possa ser valiosa para o elenco, o espectador não necessita de um conhecimento tão aprofundado. A inclusão desses elementos acaba por diluir a poderosa história de vingança de Furiosa, que se perde em meio a tramas secundárias.
O verdadeiro brilho do filme reside na performance arrebatadora das duas atrizes que dão vida à personagem principal, um feito que transcende a mera atuação. Contrariando a expectativa gerada pelo marketing, que focaliza em Anya Taylor-Joy, é Alyla Browne quem assume o protagonismo na maior parte da narrativa. Sua interpretação da jovem Furiosa é tão convincente que, em determinados momentos, a presença de Taylor-Joy chega a ser esquecida. Browne demonstra um talento nato, transitando com fluidez pelas diversas fases da vida de Furiosa, prenunciando um futuro promissor na indústria cinematográfica.
A transição entre Browne e Taylor-Joy é executada com uma maestria que desafia a percepção, um testemunho do talento excepcional de ambas. Ambas as atrizes demonstram uma capacidade camaleônica de se fundir à personagem, com Taylor-Joy evocando a presença de Charlize Theron em momentos de pura magia cinematográfica. Essa metamorfose, no entanto, não se deve a truques de efeitos visuais, mas sim ao puro talento das atrizes, um feito que impressiona e cativa o espectador.
A surpreendente química romântica entre Anya Taylor-Joy e Tom Burke como Jack se manifesta de forma instantânea e palpável. Embora o desenvolvimento do relacionamento possa parecer um tanto apressado em alguns momentos, carecendo de um aprofundamento que o tornaria mais orgânico, a performance magnética de Burke e Taylor-Joy compensa amplamente essa deficiência. A intensidade de sua interação é tamanha que os personagens são capazes de transmitir uma história inteira apenas através de olhares e gestos.
A performance de Chris Hemsworth, lamentavelmente, revela-se como o ponto fraco do filme. Carregando uma prótese nasal de dimensões questionáveis, que pouco contribui para a caracterização e falha em obscurecer o carisma natural do ator, Hemsworth não consegue se imergir completamente no papel de Dementus. O personagem, concebido como extravagante, fanfarrão e ambicioso, carece da sinistra ameaça que sua natureza exige. Hemsworth, ao invés de se fundir com o ambiente caótico do filme, destaca-se como um elemento dissonante, uma presença deslocada que se torna cada vez mais evidente à medida que a narrativa avança.
Em comparação com 'Estrada da Fúria', este filme se entrega a efeitos visuais digitais mais evidentes, e algumas composições de cena se mostram desajeitadas. A paleta de cores hiper-realista e a alta taxa de quadros conferem à obra uma qualidade pictórica, ainda que com nuances perturbadoras e intensas. No entanto, a obra se configura mais como uma expansão do que como uma reinvenção, e apesar de cumprir seu propósito com louvor, o impacto geral é atenuado pela modéstia de suas ambições artísticas.
O design de produção, como esperado, mantém a excelência que consagrou o filme anterior, mas a visão de Miller, neste caso, revela-se menos refinada. A fotografia de Simon Duggan, embora competente, não captura a mesma exuberância visual que John Seale imprimiu em 'Estrada da Fúria'. A trilha sonora de Junkie XL, embora presente, não evoca a mesma emoção arrebatadora em certas sequências de perseguição e ação, deixando o público em um silêncio questionador. 'Furiosa' se distingue pelo uso magistral do som. A fusão de uma mixagem sonora visceral e estrondosa proporcionando uma experiência sensorial arrebatadora, que exige ser vivenciada em um cinema equipado com um sistema de som de alta qualidade.
É característico da série Mad Max que "Furiosa" seja predominantemente um espetáculo de perseguições veiculares, com breves momentos de pausa. A narrativa se concentra no essencial para impulsionar a trama, relegando a exposição a um papel secundário. Embora alguns cenários se destaquem pela originalidade, a duração do filme se mostra excessiva, culminando em um desfecho anticlimático nos últimos 30 minutos. Apesar da resolução do conflito central, a tensão se dissipa, em grande parte devido à nossa familiaridade com o destino de Furiosa em "Estrada da Fúria". Paradoxalmente, o que deveria ser o ápice do filme se revela uma experiência aquém das expectativas.
Em contrapartida, a experiência de assistir "Furiosa" em um cinema convencional ou em um sistema doméstico pode resultar em uma perda significativa da qualidade sonora e visual, comprometendo a imersão e a apreciação da obra. Sem o aparato técnico adequado, o filme corre o risco de se tornar repetitivo e superficial. A grandiosidade do espetáculo, que reside na combinação de imagens impactantes e sons envolventes, é essencial para a fruição plena de "Furiosa".
Enquanto a prequela se apresenta como uma obra cinematográfica de estrutura convencional, com suas duas horas e meia de duração, 'Estrada da Fúria' se destacou por sua singularidade. O último 'Mad Max' transcendeu as expectativas, emergindo como uma sequência de perseguição de duas horas que nos imergiu na realidade crua de seus protagonistas. A narrativa se desenvolveu através do conflito, revelando as nuances dos personagens de forma orgânica, em contraste com a exposição tradicional.
"Furiosa" se encontra em um terreno desafiador, tendo como referência o aclamado "Mad Max: Estrada da Fúria", um filme que se destacou por sua excelência técnica e artística. A nova obra carrega o peso dessa comparação inevitável, que coloca em evidência a superioridade cinematográfica de seu antecessor. Para se destacar e conquistar seu próprio espaço no mundo do cinema, "Furiosa" precisará superar esse obstáculo e encontrar sua identidade única.
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