Guerra de Algodão Crítica Cinematográfica
- Vinicius Monteiro
- 10 de fev.
- 3 min de leitura

★★★☆☆
Em 'Guerra de Algodão', a adolescente Dora, forçada a abandonar a familiaridade da Alemanha, é arrastada para um universo desconhecido: a Bahia. A convivência com a enigmática avó em Salvador desencadeia uma jornada de autodescoberta, à medida que Dora desvenda os segredos e as lutas de gerações de mulheres fortes de sua família.
Em 'Guerra de Algodão', a avó Maria emerge como um farol de liberdade em uma época marcada por convenções. Sua figura, marcante e inspiradora, contrasta com a trajetória mais contida de sua neta. A história, embora se concentre na jovem, não consegue ofuscar o brilho da matriarca, que nos convida a uma reflexão sobre a força das mulheres e a importância de desafiar os padrões.
Dora, uma jovem moldada pela individualidade característica do século XXI, exibe uma rebeldia crua e pouco refinada. Sua jornada pela adolescência, marcada por típicos desafios como a construção de novas amizades e o conflito geracional com a avó, revela uma personagem complexa e, por vezes, difícil de se identificar. A busca por autonomia e a rejeição às normas estabelecidas, embora comuns nessa fase da vida, tornam Dora uma figura polarizadora.
A técnica impecável de 'Guerra de Algodão', com seus silêncios prolongados e sequências contemplativas, cria uma atmosfera densa e introspectiva. No entanto, a ausência de diálogos é um desafio que exige atuações intensas e genuínas. Embora o elenco demonstre competência, as interpretações carecem da profundidade emocional necessária para conectar o público à história e torná-la verdadeiramente comovente.
Os diálogos, quando presentes, são lacônicos e artificiais, construídos por frases curtas e entrecortadas por pausas que destoam da fluidez da fala natural. A montagem, por sua vez, revela-se descuidada, com momentos em que a artificialidade da produção se torna evidente, expondo os atores aguardando o sinal para iniciar a cena.
A fotografia precisa de Andrea Capella, que com maestria contrapõe personagens a cenários grandiosos, evidenciando a solidão de cada indivíduo, mesmo na presença do outro. Em 'Guerra de Algodão', a distância entre as duas mulheres, que coabitam um mesmo espaço, é acentuada pela composição visual, que as posiciona em extremos opostos do quadro. A estética visual, marcada pela limpeza e organização, reforça a atmosfera de distanciamento e introspecção.
A delicadeza da questão racial permeia 'Guerra de Algodão', que, com olhar sensível, revela uma Salvador autêntica e amadurecida. A imersão de Dora na cultura afro, durante sua estadia na casa da amiga, marca um ponto de inflexão em sua jornada de autodescoberta. Ao vivenciar a música, a espiritualidade e as tradições afro-brasileiras, a protagonista experimenta uma profunda transformação, questionando suas próprias crenças e expandindo sua compreensão sobre a brasilidade. Esse encontro com a diversidade cultural brasileira é fundamental para a construção de sua identidade e para a ressignificação de sua relação com o país.
O guarda-roupa de Dora, antes um silencioso observador de suas angústias, tornou-se confidente de uma transformação profunda. A bolsa de couro, macia e familiar como um abraço, carregava consigo a saudade da Alemanha, um pedacinho de casa que a acompanhava em cada passo. As cores frias, que outrora envolviam sua figura como um manto de melancolia, cederam lugar a tons vibrantes e leves, refletindo a gradual aquisição de uma nova identidade, mais calorosa e acolhedora, moldada pela riqueza cultural de seu novo lar.
Visualmente deslumbrante, 'Guerra de Algodão' encanta com sua fotografia e direção de arte, apresentando uma Salvador singular e rica em detalhes. A trama, por sua vez, embora ambiciosa em sua proposta de fugir dos clichês, perde-se em uma linguagem técnica que dificulta a conexão com o espectador. A escolha por uma narrativa mais abstrata, embora artística, limita o alcance do filme, restringindo-o a um público específico.
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