Tintim no País dos Sovietes Resenha
- Vinicius Monteiro
- 11 de fev.
- 4 min de leitura
Atualizado: 18 de abr.

★★☆☆☆
'Tintim no País dos Sovietes' é a primeira aventura do famoso repórter belga criado por Hergé. Publicada inicialmente em preto e branco em 1929, a história acompanha Tintim e seu fiel companheiro Milu em uma viagem à União Soviética, um país que na época era visto com grande desconfiança e curiosidade no Ocidente. A trama se desenrola em meio a um clima de espionagem e perseguição. Tintim, movido por sua curiosidade jornalística, se vê envolvido em uma série de perigos e conspirações. Ele é acusado de ser um espião capitalista e perseguido pela polícia secreta soviética.
Em um tempo em que o jornal impresso era a principal fonte de informação e entretenimento, o jovem artista belga Hergé deu vida a um personagem que revolucionaria a nona arte: Tintim. Em 1929, as primeiras aventuras em preto e branco do repórter e seu cão Milu foram publicadas no suplemento infantil Le Petit Vingtième, cativando leitores com suas histórias repletas de mistério e aventura. A serialização semanal culminou na publicação em formato de álbum, consolidando Tintim como um dos ícones mais duradouros dos quadrinhos.
Ainda em seus albores, a nona arte encontrava em Hergé um entusiasta visionário. A paixão do autor pelos quadrinhos o impulsionou a criar Tintim, um personagem que se tornaria um ícone da cultura pop. As aventuras do jovem repórter e seu fiel cão, Milu, transcenderam as páginas das revistas, moldando o futuro dos quadrinhos e inspirando gerações de leitores.
Inicialmente, Hergé concebeu uma jornada norte-americana para seu célebre repórter. No entanto, a direção do jornal, alinhada com a ideologia anticomunista da época, impôs uma radical mudança de roteiro. A União Soviética, então, tornou-se o destino escolhido para a aventura de Tintim, com o objetivo explícito de moldar a percepção dos jovens leitores, expondo-os a uma representação caricata e negativa do regime soviético, alimentando assim os temores e preconceitos da Guerra Fria.
A estrutura narrativa das aventuras de Tintim é circular e previsível: um ponto de partida, um objetivo e uma jornada repleta de percalços. No entanto, a maestria de Hergé reside em como ele subverte essa previsibilidade. Ao dotar Tintim de habilidades quase sobre-humanas e criar situações cada vez mais extremas, o autor sobrecarrega a suspensão de descrença do leitor, comprometendo, em alguns momentos, a imersão na narrativa.
A representação dos bolcheviques em 'Tintim no País dos Sovietes' reflete as tensões ideológicas da época em que a obra foi criada. Hergé, influenciado pelo clima político anticomunista, constrói uma narrativa que demoniza o regime soviético, apresentando seus adeptos como figuras estereotipadas e perversas. A jornada de Tintim pela União Soviética é marcada por uma série de eventos exagerados e inverossímeis, como o atentado ao trem que mata todos os passageiros, exceto o protagonista e seu companheiro canino. Essa supersimplificação da realidade histórica e a utilização de clichês ideológicos tornam a obra um reflexo de seu tempo, mas também limitam sua capacidade de oferecer uma análise profunda e complexa do contexto histórico soviético.
A frequência com que Tintim se vê aprisionado é notável, com prisões ocorrendo a cada poucos capítulos. No entanto, o personagem parece imbuído de uma sorte quase sobrenatural, escapando de situações perigosas graças a uma combinação de engenhosidade à la MacGyver, habilidades marciais e maestria em disfarces. A presença constante de Milu, seu fiel cão, intensifica a dinâmica dessas fugas. Hergé, por sua vez, recorre com frequência ao recurso narrativo do deus ex machina, introduzindo elementos improváveis que libertam Tintim de seus dilemas, muitas vezes resultando em situações cômicas e até mesmo absurdas.
A leitura de 'Tintim no País dos Sovietes' em formato de graphic novel revelou uma sucessão de situações absurdas e improváveis que, embora possam divertir crianças muito pequenas, tornam-se repetitivas e cansativas para um leitor mais maduro. A fragmentação original da história em tiras, publicada semanalmente em um jornal, talvez permitisse uma digestão mais gradual desses elementos. No entanto, a leitura contínua em um único volume acentua a artificialidade dessas soluções 'deus ex machina', empobrecendo a narrativa e comprometendo a imersão do leitor.
A arte de Hergé em 'Tintim no País dos Sovietes' revela um artista em formação, ainda engatinhando em sua técnica. A simplicidade dos traços e a falta de nuances nas expressões dos personagens denotam um autor em busca de sua própria voz visual. A narrativa, por sua vez, é marcada por uma excessiva didática, com Tintim assumindo o papel de guia turístico, explicando ao leitor cada detalhe da trama. Essa abordagem, embora comum em histórias em quadrinhos da época, torna a leitura um tanto cansativa, uma vez que o autor parece subestimar a inteligência do público.
O autor belga Hergé, em retrospectiva de sua prolífica carreira, não escondeu a insatisfação com sua obra inaugural, "Tintim no País dos Sovietes". A crueza e a simplicidade dos traços, características inerentes a uma primeira tentativa, foram frequentemente apontadas pelo próprio como pontos a serem melhorados. Com o passar dos anos, Hergé desenvolveu um estilo mais refinado e consistente, o que o levou a revisitar e aprimorar suas histórias anteriores. No entanto, "Tintim no País dos Sovietes" permaneceu imune a essa reavaliação. A percepção de que a obra original era intrinsecamente marcada por limitações técnicas e narrativas o impediu de dedicar tempo a um projeto que, em sua visão, não possuía potencial para ser resgatado.
A jornada de Tintim na Rússia Soviética, infelizmente, não representa o ápice da genialidade de Hergé. A ingenuidade gráfica característica de suas primeiras obras se mostra aqui exacerbada, resultando em uma narrativa crua e estereotipada que contrasta com a sofisticação que viria a marcar as aventuras posteriores do repórter. A experiência de leitura, para um leitor contemporâneo, é marcada por um desconforto latente, fruto de uma visão política simplista e de representações culturais problemáticas. Apesar da compreensão do contexto histórico e do público original, a obra não resiste ao peso do tempo, revelando-se um início titubeante para uma série que se tornaria um marco dos quadrinhos.
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